Sozinho no silêncio da noite esqueço-me de tudo. Sou como um sonâmbulo acordado. Até da palavra morte que me rodeou e sondou o dia todo. Como um martelo, de permanente batida, zoando cadenciado em meus ouvidos. E sinto-me cansado e a deslizar para o amorfismo. Sem vontade de nada fazer, olho para as letras do computador com desdém e para a música que coloco com impaciência. Tudo é confuso e uma amálgama de sentimentos me assalta. Desordenados, desconexos e desequilibrados.
Não consigo acabar de ler e não consigo acabar de ouvir. Estou sobressaltado de ansiedade. Tudo em mim soa a inacabado, tudo me surge incompleto e eu quero mais. Melhor, eu queria mais. Mas não quero : não tenho vontade nem forças para querer.
Também não quero dormir. Eu sei que dormir poderia ser redentor e apaziguador mas não sou capaz. Não quero, simplesmente não quero. Quero sentir o passar das horas, esquecendo e adormecendo acordado fumando cigarros, bebendo, levantando e sentando e olhando. Olhando para tudo o que tenho que fazer e não faço, não me apetece fazer e só me apetece adiar. Para outro dia. Para depois. Vou deixando tudo para depois.
Jogo uma paciência e não tenho paciência: abandono. Fazer o quê? O que me apetece realmente fazer? Não sei. Vou para a varanda norte e olho a noite. A minha companheira fiel e dedicada. Olho a paisagem que não sai dela, nunca sai dela, a não ser a que se vai escondendo por detrás do prédio que aqui ao lado se vai erguendo. Tudo está em silêncio mas eu quero vislumbrar alguma luz em alguma janela que me diga que não estou só. E fico contente porque vejo uma, uma irmã minha de certeza. Mas reparo que é sempre a mesma. Que diabo, porque será? É o reflexo da luz de um candeeiro, concluo. Será que sou eu o único que, madrugada feita, vou para a varanda fumar e ver se alguém mais o faz?
Mas sinto-me isolado. Não vejo ninguém. Só uma ambulância que passa, esfumando ruído inadequado, para o Hospital aqui em frente. Que tem luz! Vejo as janelas com luz e penso : há vida neste Hospital!
Mas sento-me isolado e ferido. Vou ao Facebook e é mais do mesmo : voyeristas, narcisistas, muito mau gosto mas…também coisas boas. Ali estou um bocado até que nada mais me prenda. Muito pouco me prende de verdade. E vou olhando: as Igrejas sempre as mesmas, os quintais sempre os mesmos e as árvores imutáveis. Mas isso dá-me alguma paz e fumo mais um cigarro. Mas nem chega a meio. Canso-me facilmente dele e forçando os dedos mando-o para longe. Mas sinto que ele vai contrariado e arrependo-me. Não o deveria ter feito e fico com remorsos.
Volto ao computador e olho as primeiras páginas dos jornais do dia que há muito começou e vou, finalmente vou, pé ante pé, aproximando-me do meu destino e, já desfeito, ouço uma voz agónica que clama : ” Vira-me”…
Daqui a pouco já será dia…