Mal “ acomparando” eu sou assim como o Saramago : comecei a escrever de velho! Todos os dias escrevo qualquer coisa, tendo por pano de fundo a realidade actual e os acontecimentos que se sucedem e, não publicando, dou por mim a ver-me ultrapassado pelas mudanças que se vão sucedendo, mas que, apesar de tudo e no meu entender, não obstruem o sentido do que quero transmitir. Como o caso deste texto e, por isso, mesmo assim o publico, porque o que me interessa realmente reflectir é acerca de um estadio de “ modus operandi” que está estabelecido e solidificado e que a mim, como se costuma dizer, me “ causa espécie”. Por isso aí vai… É a IRRACIONALIDADE!
Sempre foi para mim um motivo de grande perplexidade ( e senti isto muitas e variadas vezes durante a minha actividade como gestor bancário ) que, perante uma pessoa ou uma empresa em vias de incumprimento, por via do seu rendimento ou produto em determinado momento não comportar as responsabilidades assumidas perante entidades credoras, em vez de lhe proporcionarem condições de continuidade de cumprimento adaptáveis à sua realidade desse momento, essas entidades preferissem sempre o sobre carregamento dos seus juros e demais custos, argumentando que tal se justificava pelo agravamento do seu risco que, na sua óptica, punha em risco a continuidade do crédito vivo.
Mas, no entanto, não custa admitir ( e mais uma vez a minha experiência o atesta ) que essa pessoa, família ou empresa, de certeza que já procederam ao seu próprio ajustamento, cortando em todos os custos passíveis de serem cortados, em todas as componentes de despesas e de investimentos passíveis de adiamento e em tudo o que pudesse concorrer para mercado e/ou de erros de estratégia cometidos, não conseguem criar os meios suficientes para o cumprimento das suas obrigações de dívida nas condições inicialmente contratadas.
Mandaria o bom senso que ambas as entidades, devedor e credor, cientes da particularidade do momento que a ambos afecta, se reunissem para a consecução de um acordo que permitisse a continuação do crédito sem corte de valor e a continuação do cumprimento por parte do devedor em condições compatíveis com a realidade do momento, podendo o mesmo ser alterado no caso das condições se alterassem. Sempre tendo como pressuposto a sua continuidade como ser actuante no mercado e apresentando como única variável a variação do seu rendimento ou produto.
Mas normalmente isto não se passa assim, principalmente em alturas de maior crise e quando é menor a circulação da massa monetária. E aí, ao primeiro sinal, essas entidades credoras não hesitam em executar compulsivamente os seus créditos não cuidando de saber se as hipóteses que tinha de moratória desses créditos era ou não passível da sua recuperação e se era viável ou não a sua continuidade, tendo em vista não só a importância na sua carteira mas, nunca despiciendo, a importância dos seus danos colaterais.
A mim ficava-me, e fica-me, sempre a dúvida se estas entidades agem como supostos reguladores do mercado, na óptica de que ele tem que ser expurgado das ervas daninhas e dos oportunistas que o subvertem ou, pura e simplesmente, não acreditam na regeneração de qualquer um que, em determinado momento, passe um mau bocado. Mas isto, para mim, significa algo de muito mais profundo e que eu não me canso de lembrar : esta gente, estes que emprestam, mas o dinheiro que não é deles, e que estão na “ centralina” do motor da economia, eles não se ralam com esses pruridos, eles têm outra visão : estes já não contam para os nossos objectivos! Para quê apostar? Vamos ter prejuízos? Alguém irá pagar e menos impostos pagamos! Riem-se? Não riam …é assim mesmo!
Eu sei do que falo e, normalmente, só falo do que sei!
É que, de um momento para o outro, nomeadamente após a explosão da crise do “ SubPrime”, tudo mudou e o que poderia configurar puro laxismo passou a ser exigência máxima. Passou do 8 para o 80, como se costuma dizer. E as entidades emprestadoras ( Bancos Comerciais e de investimento) aproveitaram a onda para limpar Balanços ( leia-se Activos que não correspondiam ao neles espelhados ) e a apresentar prejuízos consecutivos que antes não ousavam apresentar. Dir-se-ia que a Crise lhes serviu á medida! E começaram a disparar em todos as direcções e a cortar a direito, sobre tudo e sobre todos, mas sempre com o virginal argumento de que não foram eles os culpados pelo sucedido. Foram, sim, vítimas e se assim agiram foi porque ficaram sem os capitais necessários à continuação da sua actividade nos moldes até então consensuais e teriam que ser redimidos porque, além do mais, suportaram os Estados e a sua impulsividade gastadora!
Depois…depois foi tudo o que sabemos. Tudo foi seguido no sentido da sua regeneração e na penalização dos mais fracos e dos mais impotentes.
No caso dos Países passou-se exactamente o mesmo e perante a escolha todos preferiram capitalizar em primeiro lugar os Bancos dado que, no seu entendimento, eles eram imprescindíveis à continuação do “ Sistema” tal como ele estava estruturado. E sem Bancos sadios e solventes nada disso era possível. E deram a todos eles especiais condições e, para os maiores, até se fizeram resgates sobre Países ( Irlanda, Portugal, Grácia e Espanha) para os ressarcir ( Bancos Franceses, alemães e Espanhóis…) das suas exposições às dívidas soberanas a esses desgraçados Países, dívidas essas advindas de compras desnecessárias e ilegítimas que eles financiaram ( submarinos, aviões, material de guerra, auto estradas…. ). Enfim…
Por tudo isto me “ causa espécie” a parcimónia e a arrogância de, perante a situação concreta de Portugal, depois de tudo o sucedido e que aqui me escuso de enumerar, não se chegue, ou melhor, não se queira chegar, a um acordo sobre as condições possíveis de pagamento da nossa dívida, sem que seja preciso esta “ punição”, esta irracionalidade contra a pessoa Humana e as suas condições de vida que, está mais que provado, nada resolvem e só endurecem as hipóteses do seu cumprimento.
Fico-me, por agora, com o nosso exemplo e não vou falar aqui e agora do exemplo Grego pois este, à luz do que penso e descrevi, é mais paradigmático. Acho IRRACIONAL. No mínimo acho IRRACIONAL e, portanto, do domínio da IRRACIONALIDADE!