O Povo é soberano, sempre se diz, e cabe-nos a todos nós saber interpretar a vontade que ele decidiu exprimir votando e, do mesmo modo que não é legítimo transformar derrotas em vitórias, também cabe a quem saiu vitorioso, ou interpreta como vitória o seu resultado, transformar essa vitória naquilo que de concreto resulta de qualquer eleição : a formação de um governo.
Porque é isso que, para além da avaliação do anterior ou de anteriores governos, as eleições servem para, atendendo ao anterior quesito e à actual situação, eleger deputados que representem maiorias capazes de formar governo. É assim no nosso formato constitucional e, mais amplamente, nas Democracias.
O facto é que desta eleição não resultou nenhuma maioria evidente de qualquer partido que tivesse concorrido por si só, nem tão pouco de quem concorreu coligado, neste caso a coligação da direita. Resulta daqui que apenas uma maioria aritmética e ideológica é possível : a junção dos eleitos do PS com os do BE e da CDU.
Mas a que assistimos desde logo e inopinadamente? Assistimos a uma destemperada afirmação do BE de que, mesmo sem se terem ainda iniciado as “démarches” para a constituição de um governo e sem ter sido apresentado qualquer programa de governação, iria apresentar imediatamente uma Mocão de Censura. Mas de censura a quê e a quem? Aos resultados das eleições e à forma como o Povo decidiu expressar a sua vontade?Ora isto significa que aquela única força que realmente faz a charneira e pode viabilizar qualquer maioria ( exceptuando a que faria a Coligação mais PS) se coloca imediatamente de lado de qualquer solução consensual, não sabendo assim interpretar de forma correcta os resultados eleitorais que obteve.
Na verdade, no caso do BE, os seus bons resultados não advieram tanto das suas propostas e soluções para a satisfação dos descontentes com a anterior governação, cujos votos passando pelo PS foram nele depositados, mas sim pelo facto de, como aliás já escrevi, se ter disponibilizado para discutir consensos e ter mostrado abertura a uma solução governativa caso o PS disso necessitasse. Foi isso, ao contrário do caso da CDU, que lhe valeu o acréscimo de votos que teve.
Porquê? Porque, num exercício de saudável exigência mental que privilegie a nossa coerência intelectual em detrimento da posição ideológica, ler os resultados é tentar perceber o que é que determina o voto de cada pessoa e que circunstâncias potenciam esse voto havendo, no entanto, um pressuposto que cada vez é mais real : as pessoas não mudam apenas porque estão descontentes, mudam sim quando lhes é oferecida uma alternativa mais sólida e quando a essa alternativa corresponde mais previsibilidade, estabilidade e segurança.
Doutro modo, tomando por exclusivamente justas as posições de cada força, ela teria por si só a maioria absoluta. Ora isso não se passa e era inverosímil que se passasse nestas eleições. De maneira que as soluções governativas têm que ser apresentadas e, para terem sucesso, todos têm que ceder algo da sua pureza. Portanto, à esquerda e com posições destas, tal como era previsível, as coisas complicam-se.
Conclusão? A conclusão é que, satisfazendo o que está lavrado na Constituição, deve ser convidada a formar governo a força mais votada. Em coligação ou não. Se ela aceitar formar governo apresenta um programa e o mesmo é votado. Aí sim e só aí será legitimo que cada força tome a sua posição e, no caso de insucesso de formação desse governo, apresentar uma solução alternativa e ser por ela, depois, responsabilizada.
Pois, mas aí depois é que vão ser elas! E se assim procederem saberão então, e de forma estrepitosa, o quão equivocados estiveram… As árvores do quanto pior melhor já não dão fruta!