A gente sempre ouviu dizer que V. Exª é, para além de um institucionalista, um responsável que cumpre as regras democráticas e um político, epíteto que sempre recusou, com ampla experiência. Mas, para além dessa bondade que lhe atribuem, dizem também ser um reputado economista, professor de finanças públicas e, por inerência, um homem de contas. Para si, portanto, quatro é mais que dois e cinquenta mais que trinta e oito. Para nós também, que também somos gente de contas.
Mas também todos constatamos que a interacção entre V.Exª, enquanto Presidente da República, e os Portugueses já teve melhores dias e é hoje quase nula. É opinião quase geral que se tornou um Presidente de facção e uma irrelevância em termos institucionais por da sua acção nada de importante resultar. E agora, depois do sucedido com estas eleições, poderemos mesmo concluir que é preciso ter mesmo azar. Agora que poderia sair em paz e depois de tantos avisos ter feito e a tantos consensos apelado, que é que o Povo resolveu fazer? Mete-lo em trabalhos. Azar dos Távoras, como alguém bem disse.
Mas porquê, perguntar-se-á? Ora porquê! Então não andou V.Exª anos e anos a lançar avisos? E o que será lançar avisos? É ameaçar que ou o ouvem ou então exerce as suas competências e os põe na ordem? Que outra coisa poderá ser, a não ser o lavar de mãos para qualquer coisa que doravante possa suceder diferente do constante dos avisos? Pois, até poderia ser, mas o problema é o que a seguir afirmou quando chegou a hora decisiva. E o que foi? Que estava preparado para todos os cenários, já todos tinha estudado, analisado e escalpelizado, todos os prós e todos os contras, as mais diversas variáveis e as suas consequências, tudo, tudo!
A gente sabe que V.Exª não faz por menos pois se rodeou de uma plêiade de sábios, dizem que trinta e oito (!), todos eles da melhor elite que por cá se produz, V.Exª ,que raramente se enganando e nunca tendo dúvidas, mesmo assim até para esse “ raramente” chamou essa panóplia de profundos conhecedores de tudo quanto seja política, sociologia, economia, filosofia, antropologia, astrologia e não sei que mais, não é que V.Exª, depois de todos os avisos lançados e que estão devidamente catalogados e guardados para depois serem exibidos caso caiam em saco roto, chamando á colação todo o seu saber e experiência, todo o aturado “ check up” de todas as possibilidades e mais algumas que poderiam advir das eleições, não é que os eleitores o resolveram presentear com a tal realidade que nunca julgou ser possível? Que nunca ousou supor? E porque nunca ousou supor? Porque…é azar! O tal azar dos Távoras, como alguém muito bem disse…Um ingrato este Povo, é o que é!
É como a lei de Murphy, não é? Se uma coisa tem que correr mal… E os avisos deram em quê? E as ameaças? E os roteiros? E os apelos? E os sábios conselheiros? E o Conselho de Estado? E agora? E agora, Sr. Presidente Aníbal?
Pois é : e agora? É que o azar ainda é redobrado porque tendo V.Exª andado cinco anos, quero dizer estes últimos cinco porque os outros dedicou-os V.Exª à permanente briga com aquele seu ódio de estimação, o Sócrates claro, a apelar aos consensos, a ameaçar sobre a ausência de consensos julgando assim interpretar a vontade do seu povo, eis que esse mesmo Povo, de V.Exª se rindo, lhe ofereceu a instabilidade e o desafiou a resolvê-la. Mas mais lhe disse : Sr. Presidente, se quer que o “seu” governo continue que ceda à esquerda! São 38 contra 50! O Sr. Presidente, V.Exª bem entendido, sabe de contas e se eles somarem os deputados fazem maioria. São 87+ 19+17= 123! Os seus só perfazem 107 e não chegam a metade. São contas Sr. Presidente, são números…
Nunca, dirá V.Exª. Aberração, diz Passos. Trafulhice, diz Portas. Todos para o inferno, diz a Cristas. Golpe de estado, vocifera a Manuela, que pela sua reforma tudo dizia e agora nem da reforma se lembra. Antes os mercados que os comunistas, diz o Barreto. Possível é, mas não é razoável, diz o Bagão. Mas contas são contas, diz o Freitas!
Nunca V.Exª supôs! Mas, dirá V.Exª ainda atordoado, mas a Coligação, os nossos, não tem mais ninguém a quem se aliar se não à esquerda? Como é possível? Como é que o Passos, dirá V.Exª aos seus atónitos conselheiros, caiu naquela esparrela da coligação com o Portas? Foi só para o abafar, para lhe dar o abraço do urso? E agora? Que faço eu agora?
Pois é, e agora, Sr. Aníbal Presidente? O Costa tramou-o, não foi? O sonso, o traidor, o enganador, o usurpador, o aproveitador, o sem escrúpulos, o enviado do demo, o torcicologologista, como lhe chamou alguém do Expresso, o monhé, o bluff preto, o que só quer sobreviver…tramou-o, não foi Sr. Presidente Aníbal?
É que, tendo V.Exª todos os cenários previsto, todos, mas todos mesmo, voltou V.Exª a repetir quando há dias foi ao golfe, naquele exercício de diplomacia económica em que arrastou todo os seu séquito, querendo mostrar a calma e serenidade de quem tem tudo calculado e medido, ocultando, no entanto, aquele que nunca pela sua pensadora cabeça perpassara: ser possível uma maioria de esquerda no parlamento! E como, sendo V.Exª um institucionalista, sabe que é no Parlamento que tudo se decide, o que quer que se decida será no Parlamento que será ratificado ou não e a ele se deverá sujeitar. Quem poderia pensar que mesmo sendo uma possibilidade aritmética pudesse algum dia tornar-se formal? Nem eu, Sr. Presidente, que, apesar de tudo, não ouso dizer que tudo prevejo!
Eles tramaram-no hoje, mais uma vez, quando no fim das reuniões com V.Exª, exprimindo de certeza aquilo que em particular lhe disseram, vieram afirmar que V.Exª empossar Passos é pura perda de tempo e é mergulhar Portugal numa situação de ingovernabilidade durante meses. Você é um institucionalista, não é? Trinta e oito são muito menos que cinquenta, não são? Cento e vinte e três são muito mais que cento e sete, não serão? E cento e sete não são cento e quinze, não é o que a matemática diz? Então Sr. Presidente Aníbal?
Está difícil, eu sei que está. E estou a imaginar a Maria a infernizar-lhe a vida e a dizer-lhe: porque falas de mais? Como é que vais sair disto agora? Como é que vais ser depois recordado? Se nomeias o Passos vais ser recordado como um reles cão de fila, um medroso e nunca como um institucionalista. Se nomeias o Costa vais ter a tua família toda em cima de ti, incrédula com a tua traição. Nunca te perdoarão. Às tantas até o convento nos tiram. E agora, Aníbal, que fazemos? Reunimos o Conselho de Estado? Demitimo-nos? Mas eu ainda acho que o melhor é meteres baixa, argumentares cansaço cerebral, incapacidade temporal. E depois? Ficarás na história como o “ Temeroso”?
Aconselhamo-nos com o Marcelo? Nem pensar, esse não se quer meter. Com o Barreto? Esse não sabe o que diz. Com o Carreira? Esse só vai falar em catástrofes. Com o Rio? Esse quer é o Costa. O Lobo Antunes? Esse vai argumentar uma urgente operação. Com o Freitas? Esse também é do Costa. Com o Júdice? Outro. Eanes? Outro também. Com o Bagão? Esse é dúbio. Já sei, com a Manuela, ela adora-te! Mas que irá dizer a Manuela?
Pois é Aníbal, a Manuela vai-te perguntar: e agora Sr. Presidente?