Agora que o governo está indigitado ( indicado, disse o tal) e mesmo sendo eu suspeito de este título aqui apor, não é difícil aferir da sua justeza dado o teu inestimável contributo para tal.
Porque, mesmo assim, eu quero reafirmar aqui aquilo que já muitas vezes disse: ligam-me ao PCP e à CDU grandes laços de afectividade porque, exceptuando uma vez, mais esta última, sempre neles votei. Mas, nesta vez, votei no António Costa. Aliás inscrevi-me mesmo nas Primárias do PS para ajudar à sua eleição.
Tenho este “pecado” meu caro Jerónimo mas, sabes, eu não me arrependo de o ter cometido. Em 29-03-14 eu escrevi neste mesmo sítio um texto intitulado “Jerónimo um Homem cativante” em que, a certa altura, eu dizia que, muito embora na vida possamos mudar a nossa orientação de voto, e por uma vez o tivesse já feito, “ não me custaria votar em António Costa”, mas onde também referia que “ a gradação da convicção em cada um destes ( líderes, bem entendido) é variável e depende também da análise do momento”. E digo nesse texto também que tu fazias a diferença e eras um Homem em quem eu me revia em toda a plenitude porque me oferecias aquele diferencial de confiança que eu não conseguia obter, na totalidade, em mais nenhum outro.
Mas tu, e com toda a legitimidade, perguntar-me-ás: pois se assim é, então isso não seria suficiente para continuares a votar em nós em vez de teres votado no PS? Eu respondo. Não! E porquê? Porque, como uso muito dizer, os tempos são os tempos e cada tempo tem as suas particularidades e estas podem influenciar o nosso pensamento. E foi o caso. E quais são então essas particularidades? Em primeiro lugar a chegada de Costa à liderança do PS, também por mim patrocinada, é um facto relevante porque é um político em quem eu particularmente confio. Porque tem demonstrado ao longo da sua vida ser um Homem sério e recto e uma pessoa capaz de estabelecer pontes e acordos. Em segundo lugar, sendo necessário haver sempre um Poder, ser o político aberto e certo para esse Poder ocupar.
Claro que é por demais evidente que sem estes quatro catastróficos anos de deriva ultraliberal e direitista, com o alheamento de quem mais sofre e é mais frágil e com a ausência de qualquer sentido de justiça, a questão mais facilitada ficou. E eu, como muitíssimos como eu, já cansados de votar sempre em que só ( e bem, é claro ) protestava, era o tempo certo de obstar a que essa direita retrógrada continuasse no poder. E só havia uma maneira de o concretizar: Votar no PS de António Costa. E assim fiz e fizemos e, digo-te, bem. E é preciso ainda acrescentar e dizer-te que nos veio à lembrança a maneira como essa direita chegou ao poder quando tu, errada e lastimosamente, votaste com essa mesma direita o chumbo do PEC 4, que a catapultou a esse poder e com ele fez o que fez. E na hora do voto é claro que esse pequeno grande pormenor não foi esquecido e esse facto me e nos assaltou.
Mas, ainda não sei bem porquê, se por remorsos dessa atitude, se pelo efeito Costa, se pela votação sucedida, se por teres sentido a premência do momento, se por intuíres o pensamento de pessoas como eu e muitas outras, ou se tudo isso junto mais o facto de ser primordial afastar esta direita do poder, tu decidiste surpreender-nos e concretizares o mais revolucionário acto da tua vida quando disseste alto e bom som: o PS só não formará governo se não quiser! E tudo mudou!
Tudo mudou meu caro Jerónimo e tu tinhas acabado de fazer História! É que não podemos estar eternamente dentro do sistema e ao mesmo tempo fora dele. Nós íamos aguentando mas já nos custava compreender.
O teu acto não foi qualquer cedência: foi um acto revolucionário, como já disse. Muitos, diria mesmo quase todos nós, o ansiávamos, mas não o esperávamos. E eu também não! Mas tu soubeste ler o momento como ninguém. Eu sorri e todos sorrimos de satisfação, mas, na verdade, foi visível em toda a gente uma enorme estupefacção. Tu és experiente e conhecedor e soubeste sentir em toda a nossa euforia um sentimento de quase libertação, aquele “ até que enfim”, como se algo estivesse entalado em nossas gargantas. Eu fiquei com ainda maior orgulho em ti e redobraste o respeito que por ti eu e todos já sentíamos.
Não te arrependas Jerónimo e diz lá aos teus camaradas do Comité Central e demais organizações que não tenham medo de, por este compromisso assinado, votos virem a perder. Antes pelo contrário! Muitos voltarão novamente a votar na CDU porque o tempo de agora já não é o tempo de ontem. Agora é tempo de futuro e é um tempo de futuro melhor para os Portugueses e, para esse novo tempo, o teu contributo foi fundamental. Digamos que tu foste o desbloqueador! Mas vais ter que segurar esse teu Povo!
Pensar só tacticamente no imediato, como aliás todos fazem, e no que poderá suceder se algo de imprevisto houver, não é o importante. O importante é fazer aquilo que se exige: um governo de Esquerda, unido no essencial, naquilo em que eu num meu outro texto apelidava de “ O Governo das Reposições”, um governo que devolva a esperança aos Portugueses mas que saiba e aceite que não é possível de imediato tudo fazer e que terá sobressaltos no caminho. Certamente que os haverá e a última coisa que eu e muitos como eu aceitaríamos ver era tu e a Catarina Martins desatarem a olhar para a árvore e não para a floresta e se aterem a coisas que, no momento, são insolúveis em troca daquilo que é urgente: a reposição daquilo que a muitos foi subtraído.
Não tenhas receios nem medos. O teu eleitorado sabe de tudo isso e saberá valorizar o teu esforço e visão. Não pretendas obter o óptimo quando só suficiente pode ser alcançável. Nós sabemos Jerónimo, todos nós o sabemos. O tempo de agora já não é o tempo de ontem. Hoje é o tempo do futuro, um tempo de um futuro melhor para todos os Portugueses. Fixa isto.
O Comité Central a essa conclusão também unanimemente chegou e chama-se a isso pragmatismo e, havendo já o desejado governo PS, muito a ti o devemos. A malta não se esquece Jerónimo e diz lá aos camaradas do Comité Central e das restantes organizações do Partido que nós saberemos honrar o teu gesto revolucionário. É que não se trata de nenhum “aggiornamento”, não se trata de abdicar dos princípios que são a trave mestra do Partido: trata-se de, neste tempo premente e preciso, fazer o que se tem que fazer e fazer o que tem que ser feito. Não entrar no governo eu até aceito que não faças porque para além de parecer um frentismo, que em definitivo não o é, também poderia dar de imediato aso ao ditote: olhem-me estes também…afinal todos querem o mesmo, o poleiro!
Mas quero aqui afirmar-te também, meu caro Jerónimo, do quanto eu e muitos como eu apreciamos o quanto tens feito pelo Partido. Pela revolução tranquila que tens levado a cabo e pelo respeito que trouxeste ao Partido. Tu tornaste o Partido respeitado. Um partido olhado como decidido mas responsável. Integrado, aceite e confiável. Admirado na sua coerência diferenciadora porque integrado e admirado pela sua palavra. Soubeste ler os tempos e isso eu e muitos como eu te agradecemos.
Mas não só! É que tu conseguiste renovar o Partido e apresentar, por exemplo, um Grupo Parlamentar que é um orgulho. Composto por jovens valorosos e preparados; intrépidos e diligentes, como eu dizia no citado texto. Gente expedita e decidida; gente capaz e séria e todos abrigados sob o teu manto protector. Mas com categoria! O João Oliveira, o meu amigo Jorge Machado (que mesmo nele não tendo desta vez votado, conseguiu eleger mais um deputado pelo Porto, deixando-me por isso mais aliviado), a Rita Rato, o Bruno Dias, o Manuel Tiago, a Paula Santos, o David Costa, o mais maduro António Filipe…um grupo que dá gosto ver, ouvir e admirar.
Tu conseguiste-o e consegues manter o Partido vivo, actuante e forte. Com gente ligada ao mundo corrente e às causas actuais, mas sempre actuando em nome de uma maior e melhor Justiça e na defesa inequívoca dos mais indefesos.
Mas hoje meu caro Jerónimo, no tempo corrente, é tempo de se corrigir os desmandos verificados nestes últimos anos, repondo às pessoas tudo aquilo que lhes foi indevidamente retirado. É tempo de manter firmeza, mas não te desvies do essencial. O resto virá no seu tempo certo. Não te arrependas nem cedas a provocações baratas pois nós compreendemos bem o que é essencial. Mas também aprendemos com a Grécia, Jerónimo. Quem tudo quer muitas vezes tudo perde. Nós sabemos Jerónimo. Nós nunca, depois destes quatro anos, soubemos tanto o que é o retrocesso porque, em determinado momento, quisemos o óptimo em troca do menos mau. É verdade Jerónimo. Eu, e muitos como eu, ainda nos lembramos do chumbo do PEC 4 e do que isso significou.
Haverá muitas coisas que este governo fará e decidirá e que não serão do meu agrado, nem do teu. Isso vai suceder com certeza. Manteres-te no objectivo principal que é o de salvaguardar os rendimentos dos mais pobres, os direitos dos mais isolados e fazer valer a importância do factor trabalho já são tarefas mais que importantes. No restante eu sei que Costa será hábil e saberá eleger o essencial em troca do acessório.
O eleitorado saberá reconhecer o teu contributo, Jerónimo! O Povo não é estúpido e sabe que, nas circunstâncias actuais, esse talvez pouco será muito. Será o retorno da dignidade e do deixar para trás o fatalismo e o não há alternativo ao empobrecimento.
Não tenhas medo Jerónimo e dou-te, se me permites, um conselho: Trata de ti, Homem! Emagreceste e pareces entristecido. Eu sei que trabalhaste muito, que deves ter suado para convencer alguns aí dentro, que te assaltam medos e receios, que estás compenetrado no risco que assumiste e tudo isso…mas calma, Jerónimo, calma Homem! O teu Povo conhece-te, todo o Portugal te conhece e te respeita e isto, o que tu fizeste, só te valoriza. A ti e ao Partido: E sabes porquê? Porque era precisamente o que ansiávamos e a razão por que eu, e muitos como eu, até não votamos no Partido, desta vez!
Um bem haja, Jerónimo!