E NUNCA SE APRENDE.

Ontem, à hora do almoço, quando estava a entrar em casa, a D. Linda, nossa colaboradora há mais de 25 anos e desde há uns tempos, mais que colaboradora, uma autêntica governanta, perguntava-me: Sr. Vassalo, já soube dos atentados? Já D. Linda, o telemóvel avisou-me logo de manhã e ouvi na rádio. E então ela acrescentou: Já não estamos bem em lugar nenhum…

A D. Linda trabalha aqui em casa, faz-me o almoço e almoça comigo e eu, para a descontrair, disse-lhe: Mas então D. Linda, aqui não está bem? O Sr. Vassalo percebe-me, respondeu ela! Ok. D. Linda, nós daqui a pouco, quando estivermos à mesa, falaremos sobre isso.

Claro que eu percebo a D. Linda e ela já sabe que, quando vem com alguma cena dessas, de acidentes, de catástrofes, do tempo, de atentados, de desgraças e coisas assim, eu logo desdramatizo. Na verdade, ela já sabe bem o que eu penso, foi-se habituando ao meu raciocínio e postura e foi logo a correr mudar o canal da televisão!

Então eu disse-lhe: D. Linda, depois do acontecido, do infelizmente acontecido, para quê passar depois horas a olhar para a TV a ver sempre as mesmas imagens, os mesmos comentários, a mesma indignação, justa é claro, e nunca a procura das razões e dos objectivos desses criminosos actos? Ela de imediato percebeu e logo mudou para a SIC Mulher e eu disse-lhe: Fez bem D. Linda, ao menos esse canal fala de outras coisas mas vamos então falar sobre a questão.

Mas antes de começarmos o nosso diálogo, porque sempre sobre alguma coisa dialogamos, eu falei-lhe de Bertrold Bretch (expliquei-lhe quem foi e falei-lhe da “Mãe Coragem” e do “ Círculo de Giz Caucasiano”, por exemplo) e citei-lhe aquela sua frase: “ Todos falam da violência do rio, mas ninguém fala da violência das margens que o comprimem…”. Então ela virou-se para mim e disse-me: Já compreendi tudo! É que só falam quando sofrem, mas esquecem-se de tudo o que fazem sofrer…Já percebi o seu ponto de vista Sr. Vassalo!

Na verdade, esta enxurrada mediática das televisões, com diretos cheios de nada, tendo como pano de fundo sempre a mesma imagem e com palavreado que repete o que o apresentador já disse, chegam a raiar o sórdido. Depois aparecem sempre os comentadores a falar de terrorismo e dos terroristas e políticos alarmados a insinuarem medidas extremas de securitarismo e restrição de liberdades. As notícias a seguir e nos próximos dias versarão sempre mesmo também. E horas e horas sobre o mesmo: A procura e identificação dos assassinos. Eu fico logo em pânico e digo à D. Linda: Está a ver D. Linda, é sempre o mesmo: depois de casa roubada, trancas à porta. Falar dos porquês? Ninguém fala! Falam na necessidade de união de esforços, dizem palavras lindas sobre união de esforços, de atitude conjunta, enviam condolências etc. e eu digo à D. Linda:. Está a ver D. Linda, é sempre o mesmo! Eles vão é fechar as fronteiras, eles acagaçados de medo vão restringir as nossas liberdades e vão actuar sempre no mesmo sentido. Como depois do Hebdo, do Bataclan e de todos os mais: fazendo nada! E fazem nada porque o que deveriam fazer eles não têm coragem e não têm coragem porque são coniventes. Têm remorsos e sentem-se impotentes.

Como já aqui disse aquando do atentado ao jornal satírico Francês Charlie Hebdo, toda a gente ficou angustiada (e eu também) com as 12 mortes ali perpetradas, mais as 150 no Bataclan, agora mais as trinta e uma e não quantas centenas de feridos em Bruxelas e porquê? Porque nos bateu à porta! Mas alguém se deu ao trabalho de saber e dizer quantos seres humanos, ao mesmo tempo, morreram ontem e hoje na Síria, no Iraque ou Afeganistão, por exemplo, mortos com armas que essa mesma gente forneceu? E quantas pessoas tiveram que abandonar as suas casas, os seus empregos, as suas famílias e se lançaram a uma sorte que de sorte nada vai ter? Que nada! Fazem um acordo com a Turquia e pagam-lhe biliões para que esta estanque o fluxo dos que fogem à guerra e sua desgraça e faça nela um enorme campo de concentração…

Coisa banal, pensarão. Fica longe e são outros seres. Quem os mandou nascer ali e viver ali? Coitados, dizem os mais piedosos. Guerra é guerra, dirão também os mais cínicos. E tudo isto me enoja.

Como começou tudo, lembram-se? Alguns analistas já dizem que as intervenções do Ocidente no Iraque, na Síria, na Líbia etc foram tiros nos pés e foram para apear regimes autoritários e para impor a democracia… E eu faz-me lembrar que os milhões de mortos perpetrados por Pizzaro, por Cortez e outros na América Latina também foram para impor a fé cristã, ou um império…E os nativos e ocupados que resistiam eram “terroristas”…ou “turras” na nossa colonial linguagem…

Li algures, creio que no Público: “…este ciclo, onde a brutalidade do terror e da dor das vítimas alternam com manifestações de solidariedade internacional e com um reforço da segurança nos países atingidos, podem repetir-se vezes sem conta se não se for mais fundo no ataque à origens de tal calamidade… é que a hidra alimenta-se na sombra enquanto se permitir que ela se alimente na sombra! Não basta chorar as vítimas e em vez de blindar as fronteiras e restringir as liberdades, é preciso agir para que o terror não tenha mais mãos coniventes. É que há quem lucre com isso e, portanto, tal não será fácil…”. Diz-nos, entretanto, o Expresso, que fez as contas, que desde 2014, altura em que começaram este tipo de atentados, já aconteceram em todo o mundo cerca de 190, com um total estimado de 7.000 mortos. Sete mil!

A História repete-se e o poder e a conquista, sejam da terra, do petróleo ou sejam do ouro ou demais matérias primas sempre tudo justificou: em nome de uma fé no passado e em nome de uma “democracia” no presente. E quem ocupava sempre chamava e chama de “terrorista” a quem defende o que secularmente é seu… Eu sei que os “terroristas” são agora de outra estirpe, mas, porque raio eles se imolam e se deixam explodir? Ainda não vi explicações, nem quem tivesse ido ao fundo do problema.

Está a ver D Linda? A História repete-se, vai-se repetindo e nunca se aprende…

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