SINTO-ME DESOLADO!

Vou-vos contar uma coisa. A sério! É que estou muito desgostoso comigo próprio. Desolado mesmo! É que a minha consciência, a tal que não me deixa dormir, dita-me coisas, mas dita-mas em catadupa, e eu não sou capaz de me concentrar e de falar nem que seja apenas de uma. Sinto-me enredado nos novelos da consciência, tantas coisas ela me diz… Eu quero falar sobre todas e nem uma me surge capaz. E fico calado!

Um “filho da puta” no Brasil, armado em “Torquemada”, quer a exterminação nem sei de quantos e o Holocausto de volta, e eu…fico calado.

Morreram mais quinhentos no Mediterrâneo e eu limito-me a ouvir. O meu coração despedaça-se, mas eu fico quedo. A minha consciência dita-me: E tu, não dizes nada? Ouço que vinham da Líbia e, sendo assim, não pertencendo aos limites daquele famigerado acordo, o tal acordo com a Turquia e, não estando abrangidos…não existem! Nada a fazer…E eu, que faço?

Nada a fazer, pergunta-me a minha consciência? E que é que eu poso fazer, digo-lhe eu…E ela questiona-me: Nem ao menos escreveres, mostrando a tua indignação? E eu digo-lhe: Eu sei que tens razão, mas já nem para isso eu tenho competência…Escrever eu acho que sei, mas dizer as palavras certas… Que coisa, não é?

Lesbos e Lampeduza, que não têm culpa de nada a não ser estarem ali à mão, sofrem e sofrem. Sofrem por todos os outros. Querendo ser solidários e agindo segundo os ditames das suas consciências, vão recebendo… E querendo ser amigos recebem, vão recebendo, mas…não podem mais! E não podem mais porquê? Porque já lhes faltam recursos, e recursos de toda a ordem, como dinheiro! E o que se pode fazer sem dinheiro, o que quer dizer, sem ajudas?

O dinheiro foi oferecido à Turquia. Para quê? Para os acantonarem em gigantescos campos de refugiados, eu diria de concentração, porque concentrados eles vão ficar, num mundo de barracas e barracões, sem nada, como se aquilo fosse vida. E a Turquia recebe milhões de milhões para os manter ali. E os seus futuros? Sim, e os seus futuros, os futuros que lhes negaram quando os caçaram e os intimaram a ficar ali?

E a Europa paga á Turquia para que a deixem em paz. Os que vêm do Magreb e do corno de África esses ficam enterrados Mediterrâneo. Vieram à aventura em balsas frágeis…quem os mandou? Morrer por morrer, morriam nas suas terras, junto dos seus, porque se atreveram? Assim pensa a nossa erudita Europa. A Europa dos corações gelados, insensíveis e grandiloquentes… de filha da putice, digo eu, aqui concordando com a minha consciência…

E muitos países da Europa, contrariando tratados, vão fechando as suas fronteiras, assim como se fosse a ameaça de uma praga. Ou de uma epidemia global. E encerrando as fronteiras matam o sonho de milhões. De milhões que fugindo da arbitrariedade e da guerra, procuram um futuro melhor para si e para os seus. Futuro que, em muitos casos, e o da Síria era o mais evidente, estava mais ou menos assegurado, pela educação, pelo estilo de vida e pelos costumes. Tudo foi arruinado. Porquê? Porque, muito simplesmente, fugiram da guerra.

Eu sei que, para esses países, recebê-los traria um custo, mas um custo compensado pela sua permanência, pelos seus empregos, pela sua contribuição para as suas economias e seu crescimento, mas também sei que para muitos e muitos cidadãos desses mesmos países, acolhe-los seria tirar-lhes algo. Seja no rendimento, numa primeira fase, seja no conforto, seja na sua quietude, ou seja, na sua tranquilidade! Penso eu convencido deles assim pensarem…

Porquê? Numa primeira análise porque muitas e muitas dessas gentes não se querem sequer lembrar de onde vieram…muitas vezes é triste e eles já ultrapassaram…já se esqueceram que, há uma geração atrás, também os seus fugiram da guerra e do extermínio…E, como muitos deles, e eu digo felizmente, mudaram de vida, tendo mudado de vida, sentem vergonha em relembrar de onde vieram e o que passaram seus pais e avós. Preferem esquecer e nem sequer ensinar aos filhos. Filhos que, não aprendendo, assim continuam a pensar…desgraçadamente, também eu digo. E que também não aceitam quem venha importunar as suas alegres e prometedoras vidas…

Mas se apenas se alheassem…eu relevava para a ignorância de quem, fingindo tudo saber, não sabe nada! Mas não: Eles apontam a Bíblia, apontam Deus como seus guias. Ganharam riqueza e são poderosos, porque Deus assim quis…E, agora, a minha consciência manda-me reservar-me porque, senão, o texto fica uma alarvidade. E isso eu não quero…

É que diz muita gente que qualquer indivíduo que se indigne é um sonhador! Que sempre houve ricos e pobres, e isso era o que eu ouvia na minha infância. E se assim é será porque Deus assim quer…eu também ouvia. Até dos padres! E o mundo ia andando, em paz, na paz do Senhor, também ouvia dizer…Era assim que corria a História. E o que era quem isso contestava? Não apenas um sonhador mas, mais que isso, um traidor à Pátria, um conspirador e um perigoso ateu. E, por isso, e só por isso, ia muitas vezes preso. Por falar de injustiças, da fome, da pobreza, da falta de liberdade e da desigualdade. Era isto que eu ouvia em pequeno e não mais esqueci.

Depois do 25 de Abrl ouvia um partido político, o do Freitas do Amaral, que por acaso tempos depois mudou de opinião, dizer que, sempre tendo havido ricos e pobres, o que eles diziam ( e pugnavam?) era que queriam que todos pudessem ser como eles: proprietários, donos do que era seu…e, na verdade, para muitos isso passou a ser um sonho…chegar onde eles chegaram, esquecendo-se que, mesmo que esse desiderato atingissem, e alguns atingiam, nunca seriam como eles porque, simplesmente, assim não tinham nascido!

Mas esse sonho tornou-os insensíveis. E insensíveis pois, mesmo tendo alcançado alguma coisa, depressa se esqueceram daqueles que começando a viagem juntos ficaram para trás…. Desses que não foram tão fortes quanto eles e desistiram e também desses que, tendo problemas de consciência, não quiseram seguir o mesmo caminho… Gente fraca, eles julgam…

Mas dá-me uma imensa pena ver, constatar e sentir que muitos emigrantes portugueses, que eu sei o que passaram para atravessar fronteiras à procura do mesmo sonho, de mudar a sua vida e com esforço e denodo ter uma nova oportunidade, serem agora contra quem quer entrar como eles entraram. Dá cá uma tristeza…Eu sei que os portugueses eram resilientes (lembro-me da balada do “ Bidonville”), mas…

Porquê? Porque o mundo mudou e eles agora vêm para ocupar os lugares deles, como se o mundo não estivesse em constante mudança e eles próprios não tivessem participado dessa mudança? Eu recordo-me de ainda há muito pouco tempo um conhecido meu se queixando da sua reforma cá em Portugal me dizer que, por apenas sete anos de trabalho em França, usufrui de uma reforma superior à de uma vida cá em Portugal! E também é insensível a isto! Porque será? Porque teme por essa reforma que eu apelidaria, no mínimo, de anacrónica!

No fundo ele recebe, está contra o “sistema” que lha paga, não imagina isso para Portugal, mas naturalmente recebe-a, mas, se ela acabar, ele culpará sempre os de agora e que, fugindo de coisa piores dos que as que por ele fugiu, possam alguma oportunidade ter…como ele teve!

Eles, lá no fundo, já pertencem às sociedades acomodadas, as que já não se dão trabalho de visitar a história, a história até dos seus, até a recente como disse, e tornam-se insensíveis e seres que vivem unicamente no sentido da preservação das suas regalias, às vezes das pequenas regalias, mas que os fazem diferentes de todos esses andrajosos com quem, pensam, terão de partilhar. E muitas vezes até invocam Deus…

O Papa Francisco, que para isto não invoca Deus e dele falando invoca apenas a sua magnanimidade, é uma alma pregando no deserto. Que é muito ousado o que ele defende e prega, dizem. Como se ousado fosse falar de direitos fundamentais de qualquer ser humano, como falar da consciência, da justiça, da igualdade de todos perante Deus, da fraternidade…

E ele está isolado! Até os seus ( o seu Clero ) têm dificuldade em o acompanhar, enredados que estão em coisas bem mais palpáveis e terrenas e têm medo que isso signifique a perda de pergaminhos, de lugares e de posições hierárquicas. E remetem para outros, para os voluntários. Eles até orientam e teorizam sobre a sua fé. Remetem para a Fé, esse manto “dudoso” ( como dizia a Chavela Vargas) que tudo cobre e encobre.

A acção fica para os Leigos, para os de boa vontade, como a minha sobrinha CARINA, o seu marido FRANCISCO MIGUEL e outros que, não abdicando da sua Fé, vão, deixam tudo e vão. Vão fazer o que for preciso para que outrem, seja lá onde for, possam ter uma vida um pouco melhor, mais organizada, seguindo padrões apropriados, ensinando-lhes práticas correctas de vivência e convivência, lutando com eles, com todos esses para quem a sua presença é já um milagre…

Estes sim, estes seguem o Papa Francisco, sem medos e sem hipocrisias. Mas com sentimento…A todos eles o meu respeito!

Nota: Confesso que foi para mim uma violência escrever este texto…

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