A leira de cima é a que fica por cima da leira de baixo, que por seu turno fica acima da leira que de si debaixo está e que já não é leira alguma! Porque leira só há uma: a de cima e mais nenhuma!
Eu, quando pensei escrever este texto, um obrigatório texto depois do meu retorno efectivo a Paredes de Coura e dos momentos deliciosos que neste fim de semana prolongado lá vivenciei- a propósito da maravilhosa exposição dedicada ao centésimo aniversário da morte de Mário de Sá Carneiro e que se chama “ Mil Anos me Separam de Amanhã” e cuja exposição, não sei se já vos disse mas se já disse desculpem mas volto a dizer, tem a arquitectura e coreografia pensadas e elaboradas pela minha filha Susana Vassalo, e das sessões de poesia, canto e celebração que a um ritmo quase vertiginoso se sucederam- eu, retomando o raciocínio, pensei dedica-lo ao PAULO VITOR PEREIRA, o digníssimo Presidente único e inimitável Presidente desta também única e inigualável Autarquia : Paredes de Coura!
Mas, sendo ele já uma figura quase mítica e uma figura incontornável pela abrangência, pela sua graça e pela sua genuína postura de bonomia e inocência feitas, que todos saudamos pois ninguém a isso fica indiferente, concluí não o poder fazer porque já alguém, e ainda por cima meu amigo, o fez e quando o fez, porque normalmente assim é, o fez de modo definitivo e, portanto, não me dá margem alguma a tentar fazê-lo. Foi o Valter Hugo Mãe, naquele extraordinário texto que escreveu no Público!
Tive que saltar fora, que remédio, e resolvi então dissertar acerca da “Leira de Cima”! Falemos então da “Leira de Cima”, que não é propriamente um campo onde se cultiva o milho que alimenta os animais e as almas, mas um lugar onde se come, convive e se mata a sede! E é de cima porque está mesmo por cima do Café Courense, outro incontornável lugar da tertúlia Courense. Mas fica por cima e, estando por cima, está mesmo acima! E não de qualquer suspeita, mas de todos os insuspeitos que lá vão matar a fome e a sede! E celebrar!
E está por cima, acima de tudo pelo ambiente que proporciona. E estes últimos dias foram uma coisa bonita! Muito bonita mesmo!
É que, nestes dias, em Paredes de Coura aconteceu algo de extraordinário e que só é suplantado pelo Festival anual de Música Rock Alternativa, já devidamente consolidado por obra e graça de alguns jovens amigos Courenses que, pelo seu denodado e continuado trabalho- o João Carvalho, o Filipe Lopes, o Jó Barreiro, o José Eduardo Martins e outros que já não estando com estes fizeram o caminho- fizeram dele o Festival dos festivais de verão.
E, falando com o João Carvalho, deu para perceber que ele entendeu o mesmo que eu: que tratando- se de dois eventos radicalmente diferentes, eles são complementares e, acompanhando o já conseguido pelo Festival, este evento de POESIA reveste-se de extraordinária importância para o incremento da reputação da vila de Paredes de Coura e para a sua afirmação como lugar aberto e promotor da Cultura em todas as suas vertentes.
É claro que a palavra “reputação “ é aqui determinante, porque sem a aura já conquistada de lugar de bom acolhimento, de competência no bem receber e no respeito que qualquer visitante merece, nada faria sentido, nem possível seria.
E a reputação já conquistada foi e é absolutamente determinante para o sucesso do que agora aconteceu. Porque não restem dúvidas de que muitas das personalidades da Cultura, sejam elas das Letras, sejam da Música, sejam da Pintura, sejam da “performance” ou sejam da Comunicação Social, só aceitaram vir por saber que vinham a Coura! Isto é a verdade e não tenham qualquer dúvida! E isto é uma conquista que em devido tempo a Câmara presidida pelo António Pereira Júnior, pelo seu sentido de responsável inteligência, já tinha identificado e que o Vitor Paulo Pereira, com o seu estilo próprio, tão bem tem exacerbado!
Mas, convenhamos, uma coisa é um Festival de música Rock, que aos longo dos tempos e devidamente trabalhado e com competência promovido atrai dezenas de milhar de jovens a Coura e outra coisa, perfeitamente distinta, é um Festival de Poesia e uma exposição em memória de um Poeta! Mas, por mais incrível que pareça, eles resultam e concorrem para o mesmo: para a afirmação de Coura como nome de referência. É que, para quem vive longe de Coura como eu, e tendo lá vivido como eu vivi, e recorda a ignorância até geográfica que acerca desta terra grassava, não pode deixar de com júbilo confirmar a extraordinária reviravolta acontecida.
Quando a minha filha (Susana Vassalo) me falou da proposta que ela e o Isaque Ferreira ( o Homem da Poesia , há muitos anos “diseur” da Poesia na Relva no Festival e que há muito andava a tentar convencer o Vitor a realizar em Coura um Festival de Poesia) idealizaram e iam apresentar ao Presidente, ela estava cheia de medo! E eu disse-lhe: Filha, medo de quê? Mas tu há anos que conheces o Vitor, muito antes de ser Presidente! Tens medo que ele diga não, ou medo que diga sim? Que é que achas? Achas que ele, inteligente como é, vai recusar? Tens medo do que lhe vais pedir como honorários pela exposição que vais idealizar e montar? Puxa para cima, fala por cima porque depois só pode descer…disse-lhe eu, meio a sério e meio a brincar…depois ela entusiasmada ligou-me e disse: Pai, correu bem! Que admiração, disse-lhe eu! Gente nova, pensei eu cá com os meus botões…
E lá se fez! O trabalho foi mais que muito, eu sei do que falo, e o investimento em noites e dias sem dormir, para além do outro, foi enorme. Mas valeu a pena! Restou uma obra digna, admirada por todos e, segundo cochichos que ouvi, desejada, enamorada e já disputada por muitos. E o meu coração, aquando da inauguração, encheu-se tanto, tanto que eu pensei que ia rebentar e eu passei a apresentar-me como: “Eu sou o Pai da Susana”! Assim mesmo e os elogios atingiram a unanimidade. Que coisa maravilhosa, todos diziam! E, diligentemente, eu fiz sempre questão de afirmar que a minha Filha era Courense: por razões de parto não nasceu em Coura, mas em Coura foi feita e eu e a minha mulher cá vivíamos, e disso podemos atestar com orgulho! Orgulho que ela sempre fez questão de ter e mostrar.
E as coisas sucederam-se depois a um ritmo vertiginoso e eu não sabia já o que mais admirar: se os próprios eventos em si mesmo ou se a estranha e insondável capacidade que alguém teve de trazer a Coura tanta elite! Elite, disse eu realmente. Pois quem pensaria possível que num nobre espaço, o do Salão Nobre da Câmara Municipal, fosse possível assistir à entrevista-colóquio do Miguel Ribeiro (sim, esse da SIC) a Artur Cruzeiro Seixas, essa figura lendária da Pintura e da Poesia, já com 95 anos, figura maior do surrealismo e pessoa que, segundo dizem, não gosta de aparecer. Mas como apareceu em Coura? Como se explicam aqueles abraços ao Vitor Paulo e o deslumbramento que eu depois, à noite e nos copos na “Leira de Cima”, pude testemunhar do Miguel Ribeiro?
E depois como explicar Fernando Alvim dirigindo um painel com o Americano HAL SIPOWITZ, um Poeta portador da doença de Parkinson, com cuja esposa, uma Nova Yorquina nascida em Nova Orleães, longamente conversei e onde anotei o seu deslumbramento por esta pequena terra? Como explicar? Como explicar que o Nicolau Santos, em nome do seu gosto pela Poesia, mas acredito que não só, se tenha dado ao trabalho de vir de Lisboa para dirigir um painel, com o galego Carlos Quiroga e o psiquiatra especialista em Sá Carneiro ou como o Italiano Giorgio de Marchis que, falando fluentemente Português, mostrou de Mário de Sá Carneiro ter um conhecimento profundo? Como explicar? Só COURA pode ser a explicação! Eu sei que os contactos são do ISAQUE mas…só em COURA seria possível!
A ANA DEUS deu um memorável concerto na “Leira de Cima” na sexta à noite e estava tanta, tanta gente, e tanta gente culturalmente rica por metro quadrado, que o nosso querido Dr. Janeca, essa também ímpar figura Courense, foi para fora porque, disse ele, não queria constar do rol dos perecidos no desabar da “Leira” por cima do Café de Baixo, tal o peso das individualidades presentes! Ele era o Miguel Ribeiro mais sua lindíssima e graciosa e simpática esposa, ele era o Adolfo Luxúria Canibal, ele era o Tiago Brandão Rodrigues ( esse mesmo, o Ministro), ele era o João Carvalho e também a esposa, ele era o João Rios mais a Paula, ele era o Nuno Moura mais a Ana Bagulho, ele era o João Paulo Esteves da Silva, o Jorge Meireles, o Nicole Tricot e a Ana Deus, o João Paulo Cotrim e Paulo José Miranda, a Cláudia Sampaio…e eu e todos nós! Como explicar? O melhor foi que o João Botelho já tinha ido embora…Ele não é pesado como eu mas tem cá um apego às “botelhas”…
No dia seguinte foram-se uns e apareceram outros: o Fernando Alvim, claro, o Pedro Lamares e o Rui Sprangler, a Sónia Batista ( quecom água fez uma enorme sessão ) e…lá fomos para a “Leira” para celebrar aquela “esperada madrugada/ o primeiro dia inteiro e puro”, como dizia a Sofia que, se viva fosse também à “Leira” iria.
Quando saímos para fumar um cigarro apresentei-me ao Alvim: eu sou o pai da Susana! Ai és, disse ele! Eu já te conheço há muitos anos mas tu não me conheces, então… Então não és o pai da Susana? Dá daí um cigarro, disse-me ele! E pronto, foi assim, mas só foi assim porque foi na “ Leira de Cima”! E aparece o Vitor Paulo e…Vassalo, meu boneco rechonchudo, disse ele agarrando-me na cara, cigarrito, cigarrito…é que eu não fumo, tu sabes! Sei? Bem, um espectáculo aquelas escadas da “Leira de Cima” que, de tão em cima, nem apetece vir para baixo!
Mas, no domingo, naquele debate orientado pelo Nicolau santos a que já me referi, é que aconteceu verdadeiramente o espírito “Leira de Cima” do nosso Presidente, Vitor Paulo Pereira. Discutia-se os porquês dos Poetas se suicidarem, e tão novos como o Mário de Sá Carneiro. O Psiquiatra, António Barbedo lembrei-me agora, lá se esforçava, que havia muitas razões, que era preciso conhecer as pessoas e tal…o Galego Carlos Quiroga (tipo muito interessante e conhecedor de Portugal) lá trazia a estatísticas e tal… o Fernando Alvim mete colherada e diz que a vida naquele tempo seria um tédio, uma vida pastosa disse ele, e eu pensei cá para mim: como Alvim? Naqueles anos loucos em Paris? Nãaaahhh…
Até que o Vitor Paulo se levantou e deu cabo daquilo tudo! Eles suicidavam-se, suicidavam-se e suicidam-se como se suicidam as costureiras, rematou o Vitor Paulo!!! Pronto! Espírito “Leira de Cima”!
O Vitor Paulo, o Presidente de Coura e da “Leira de Cima”, é o descodificador! É o simplificador e o resumo absoluto e absolutista! Contaram-me, ou foi ele mesmo que contou, que ele, pensando ter avisado a esposa que iria a um congresso qualquer do PS, chega ao dia e diz à esposa: pronto, então vou…Mas aonde, perguntou ela. É que eu já tinha marcado isto… Mulher, disse ele, eu pensei que te tinha dito mas, deixa lá, eu prometo que, a partir de quarta feira, retomamos a nossa vida sexual….
Coura, a Leira de Cima e o Vitor Paulo; QUE MARAVILHA!