É, já toda a gente, e todo o mundo, fizeram os seus juízos e todos temem o pior, tanto para a América como para o universo todo.
Estive a ouvir os meus estimáveis comentadores do Eixo do Mal, ainda profundamente preocupados na análise do que correu mal e das razões por que Trump ganhou a maioria no Colégio Eleitoral, que não nos votos e fiquei perplexo. É que, aventando mil e uma razões, umas certas e outras delirantes, dificilmente acordaram naquilo que eu já aqui escrevi e que, mesmo não tendo ido aos EUA, como alguns deles foram, são de tão fácil análise que me confunde tanta verborreia e exercício intelectual. Há que falar e manter os lugares, não é?
Parecem conhecer profundamente os EUA, estão fartos de lá ir (então a Clara Ferreira Alves nem se fala) e depois, quando tentam explicar, esbarram nas inevitáveis contradições entre o querer ter razão, dizendo as suas absolutas verdades, e a opinião do outro, que sendo parecida, é dita de outra maneira e, portanto, não tão pura e formatada. E todos têm razão, tendo ou não tendo mas, nas suas visões sempre tendo. E resta, depois, quase nada…Qualquer um faria aquelas figuras…é o que concluo. Por isso, às vezes, a meio desligo…
Alguma racionalidade em relação ao futuro? Ninguém tem! Para todos vem aí o apocalipse, como se isso, numa sociedade tão globalizada como esta e com interesses tão contraditórios e cruzados isso fosse possível. Vamos com calma, portanto…
O “Wait and See” acho que deve ser a nossa postura, isto é, a postura de quem nenhum poder tem para inverter seja o que for, essencialmente numa América profundamente dividida, com clivagens sociais evidentes, mas que possui os seus próprios organismos de poder e idiossincrasias de certo modo diferentes daquelas que existem na Europa e que quase eliminam a possibilidade de algum poder absoluto. Mesmo que, neste caso, ele esteja nas mãos de um único partido e de um imprevisível líder. Mas tem uma sociedade forte e interventiva, tem elites, tem uma comunicação social vigorosa e, portanto, sempre atenta.
O fenómeno a que assistimos nos EUA, por muitas voltas que se queiram dar, por mil e uma explicações que todos os nossos conhecidos “sábios” queiram agora dissecar, fundamenta-se, no fundo, em dois ou três pontos essenciais e que qualquer observador atento, e com algum conhecimento e bom senso, facilmente detecta:
– O primeiro advém de um atavismo intelectual e religioso, que se tem mostrado imutável, e que se consubstancia em toda a zona do Midwest, de norte a sul do território, um território eminentemente rural, profundamente religioso e ignorante do que é o mundo para além dos seus “condados”, nacionalista e conservador mas que, não sabendo que a sua economia (agrícola) vale apenas 1% do PIB Americano, continua a sonhar com políticas protecionistas, que a globalização dificulta, e vota sempre nos mesmos demagogos que lhas prometem. E ninguém mais lá entra…Mas também ninguém resolve! E, como dizia o meu Pai em relação à terra onde nasci, podem pôr lá um poste ou um espantalho que, tendo aquele símbolo, é nele que eles votam…
– Em segundo lugar a questão comercial. No sentido da venda e exportação dos seus produtos, especialmente os industriais : carros, máquinas, maquinaria pesada etc, mas cuja indústria, neste momento, apenas representa 20% do seu PIB. Isto num país que era eminentemente industrial e onde o seu peso no PIB do país foi substituído pelos serviços e pelas industrias tecnológicas e dos saberes.
E isto faz com que franjas significativas de operários e trabalhadores industriais tenham assistido ao fecho das fábricas onde trabalhavam, e porquê? Porque do exterior, essencialmente da China, de quem Busch com a sua errática política belicista se tornou refém, esses produtos surgem muito mais baratos. E como já há muito dizia e previa Bruce Springsteen na sua “ My Hometown”, a fábrica têxtil, ali depois do caminho de ferro fechou e os seus empregos não mais voltarão. O que apareceu foi a desesperança. E foi a esses que primeiro Bernie Sanders se dirigiu e que depois Trump, tomando o relevo de uma Clinton incapaz e subjugada aos poderes financeiros e outros estabelecidos, ao qual não soube dar resposta, tomou como seu. E prometeu-lhes que taxaria os produtos chineses para proteger e reerguer a indústria, anunciando a criação de 25 milhões de novos “jobs” e obras públicas sem fim para reerguer as infraestruturas, que são um grave problema nos EUA, que muitos e estáveis empregos absorveriam…e sendo ele um empreendedor, quando algo assim se promete a gente desesperada…
– Em terceiro lugar, pese ter conseguido eleger um Homem de superior inteligência e recorte, OBAMA, que recebeu em 2008 a maior crise depois da grande depressão, e de todos os seus esforços para reabilitar a indústria automóvel Americana e recolocar a América no seu devido lugar, e que conseguiu, o Partido Democrático, como aqui noutro texto já afirmei, não foi capaz de entender as mudanças que enunciei, foi incapaz de se regenerar e, enquanto do outro lado aparecia algo imprevisível e demagogo mas com um discurso novo, decidiu apostar em algo já velho, gasto e rejeitado: Hillary Clinton.
Estas são, para mim, as razões principais, mas a idade e os ensinamentos da História, mesmo que de algum modo ela se repita, ensina-nos que nunca se repete do mesmo modo e hoje é completamente inverosímil comparar um Presidente da América, mesmo que Trump, a um Hitler ou mesmo a um Putin…
A América é algo de muito diferente e qualquer presidente ou político que queira introduzir reformas profundas, sejam elas quais forem, enfrenta desde logo tantas barreiras e anticorpos que tem que ser sempre bem pensado e negociado o que quer mudar…
Por isso Trump aparece agora mais moderado, como que aceitando a sua ignorância quanto aos mecanismos do poder na América, nas funções desses mesmos poderes e da maneira como o povo Americano lida com o mesmo.
É para mim significativo que o primeiro encontro de Trump com OBAMA que, como disse Trump, era para durar dez a quinze minutos, tenha durado hora e meia e Trump ter declarado que poderia e deveria ter durado muito mais. OBAMA deve-lhe ter dito muita coisa que ele puramente desconhecia, deve-o ter alertado para tantos cuidados, contradições e modos de estar que ele, estupefacto, só dizia no fim: “He´s a great man…”!
Trump não estava nem está preparado mas, tenham a certeza, que inteligente e sagaz como é, ele vai saber ouvir e preparar-se. E vai aconselhar-se mais com OBAMA, tenham a certeza. E porquê? Porque OBAMA não representa nenhum interesse e, na sua reconhecida inteligência e vontade de sair da Branca pela porta grande, por onde sempre sairia, mais a sua competência e lucidez que a sua independência mais fortificam, vai ensinar a Trump uma coisa essencial: Uma coisa é falar e outra é fazer! E acho mesmo (espero) que os seus principais “advisers” não vão ser aqueles do Tea Party mas alguém mais moderado…Julianni, por exemplo.
Eu tenho para mim que, apesar dos Republicanos terem o queijo, a faca e as tostas na mão, não vão ter vida fácil com este imprevisível “outsider”. Que até, em algumas coisas essenciais (Obamacare, por exemplo), já recuou! Ele já intuiu que muitas das promessa e afirmações são de difícil realização (muros, expulsão de hispânicos ou muçulmanos, restrições às importações da China etc..) e que vai ter sempre do outro lado alguém com enorme carisma e sabedoria que lhe vai ligar e dizer-lhe: “ Mr. President…not so!”.
Espero que assim seja e, desde já, um grande louvor à postura patriótica de OBAMA: Um Senhor!