Nota introdutória :
Entre o fim da noite de ontem e princípio da madrugada de hoje, realizou-se em Paredes de Coura o jantar familiar de toda a Família Bacelar Martins, para celebrar os cem anos que ela agora faria. Estiveram quase todos presentes e foi uma noite inesquecível tanto para os que tiveram a ventura de a conhecer como para todos os que não tiveram esse privilégio, mas se sentiram unidos e comungando o mesmo sentido de todos.
Para alguns dos familiares presentes, principalmente alguns netos, e seus respectivos cônjuges, tanto aos que são casados como os que estão “emparelhados” e naturalmente todos os bisnetos, que não tiveram a oportunidade e o privilégio de conhecer a grandiosa Mulher que hoje homenageamos, eu escrevi as palavras que a seguir poderão ler.
Além do texto que a seguir publico e é, digamos assim, o corpo e alma da celebração, houve ainda mais intervenções: a do José Leandro Gonçalves, aos seus 83 anos o mais antigo membro vivo da Família, que realçou o facto do seu filho mais velho e primeiro, o Mário, o primeiro neto, ser entregue durante sete anos aos cuidados e educação dos seus avós e tias para assim se atenuar a dor da partida do seu único filho varão, com 21 anos apenas.
Falou ainda o Mário na qualidade de neto mais velho, recordando precisamente esses tempos e relembrando e revigorando aspectos que eu realço no texto. Falou ainda o neto mais novo, o Tiago, que levado pelo espírito que se instalou entre todos, deu conta desse mesmo espírito que se propagou e se instalou entre todos e de resultou a promessa e a certeza de mais encontros como estes.
Mas se ali todos estivemos para a lembrar, ao mesmo tempo que lembramos nela todos os Familiares já partidos, por alguma razão deve ser.
É que ela fez da sua vida uma doação. Viveu numa correria, como se lutasse contra o tempo, contra todas as adversidades também, mas sempre em prol da Vida. Dando e dando sempre…
Partiu cedo, mas com uma vida repleta de vida! E, como dizia Pablo Neruda, esta Mulher merecia ser coroada e estar sentada num trono com diadema e luvas de ouro.
Porque ela nasceu para nascer e para fazer nascer!
- JULIETA BACELAR, a Mamã!
Como começar a falar, dessa mulher singular, pois tantas virtudes tinha?
Se não começar por dizer, que para homem ou mulher, ela era a D. Letinha!
Diminutivo assim não se dá, nem se obtém por alvará, mas a razão se adivinha:
Era o prestígio e a nobreza, a educação e a singeleza, de quem de berço provinha.
Tinha cara de boneca/ Daquelas de porcelana
Da beleza tinha fama/ E pra vida teve estaleca
Que se tem ou não se tem/ É isso que a vida ensina
O não ter por carga a sina/ De vir de onde se vem
E pode não haver riqueza/ Mas fica a educação
E o saber-se por certeza/ Que nada se tem de antemão
E por ter casado jovem/ Foi cumprir uma missão
A de ajudar o seu Homem/ Com tudo o que tinha à mão
De bem correr tudo tinha e não lhe bastando o parecer,
haveria de ter que ser.
Ela tinha que ser intensa, ela tinha que governar,
o que para ela era dar.
E assim se entregava, à sua maneira,
à arte do trabalhar
Dando e dando sempre, vendo no gesto a semente
Da grandeza a congruência no seu gesto de doar.
Tudo dormia e ela já estava/ Na lide e no preparar
O fogão já aceso em brasa/ E a chaleira a escaldar
O café e manteiga na mesa/ As criadas a labutar
Tudo estava a trabalhar/ E a Mamã a tudo presa.
Com os pássaros se levantava/ E a missa já estando feita
A mesa estava perfeita/ Só depois com eles voava
E em casa nada faltava/ Pois de tudo ela tratava
Da roupa que se lavava
Dos animais o tratamento/ E deles o seu sustento
Sem lamento.
E do nada aparecia/ Parecendo que nada fazia
Mas tudo já estava feito/ Ao seu modo e ao seu jeito
Perfeito.
Tinha a seu cargo um casario/ De gentes de dentro e de fora
Não era dada ao desvario/ E partia feliz quem ia embora
Era por todos respeitada/ E a sua bondade admirada
De uma caridade recatada/ Própria de gente formada.
Cuidava de todos e de tudo/ Nunca com cara de entrudo
Seus olhos azuis refulgiam/ E as coisas todas surgiam
Ao tempo que paria educava/ Nas mais velhas a segurança
Pela idade que as separava/Uma bebé e outra não mais criança
E enquanto em tudo pensava/ E das pequenas as fraldas se mudavam
A sua vista não descansava/ Pois as mais velhas já namoravam
Muitas mãos e cabeças tinha/ Suspeições de quase adivinha
De saber o que convinha/Pra manter tudo na linha
E enquanto educava e labutava/ Trabalhando tal qual escrava
Pra que a todos faltasse nada/ Ia mantendo o olho na escada
Onde aparecia o Senhor/ Martins de todos tutor
Homem sério e de rigor/ Mas que exigia o melhor.
E assim se foram passando/ Os anos e sem desmando
Tudo sobre o seu comando/ E ela sempre indo e voltando
Já não havia crianças, mas por força das andanças,
da vida e suas mudanças
Apareciam outras canseiras, do temor de haver asneiras,
vindas das filhas primeiras.
Que queriam namorar/ E nova vida desejavam
Dali não manter lugar/ Quando outras já se casavam
E não tendo já filhas pequenas/ De ainda ter que tratar
Na sala fazia verbenas/ Pra que pudessem dançar
E dançando e namorando/ Com um glamour recatado
Mantinham o mesmo fado/ Iam namorando e dançando
E assim se evoluiu/ Até que a sorte a traiu
E duma bala furtiva surgiu/ A felicidade que ruiu
Passaram-se anos voando/ E da luz se fez duro breu
Tinha fugido o que era seu/ E que sustinha o seu mando,
Enquanto seu esposo trabalhava ela pariu/ Dez mulheres e apenas um
Varão que da sua vida fugiu/ Já não podia conceber mais nenhum
Como Mãe foi completa/ Como Avó foi só ternura
Só sabe quem teve a ventura/ De tanto Amor a ver repleta.
Já há quase 40 anos se foi/ Pra parte incerta partiu
Ficou uma saudade que dói/ Nos corações de quem viu.
Cerca de sete anos convivi/ Com esta mulher indulgente
E nela de imediato eu vi/ Uma mulher comovente
De amabilidades sem fim/ E de uma paciência infinita
Não merecia tal desdita/ Sua dádiva a todos e a mim.
É a vida todos dizemos/ Mas recordar é obrigação/
De quem recebeu mais que deu
E honrá-la é o que faremos/ Mantendo a adoração/
Por quem tanto e tanto ofereceu.
Nos deu as mulheres que temos/ retratos perfeitos seus
Os olhos com que nós vemos/ A sua estrelinha nos céus
Aqui estamos pra comemorar quem cem anos agora faria
Nossa sogra, Vossa Avó, Bisavó e Mãe lembrança
Que da vida intensa e presença vividas em correria
Nos tendo deixado mais pobres a sua luz seja a esperança
Que todos recordaremos quer de noite quer de dia!