7 de JANEIRO, UM DIA PARA LEMBRAR.

Foi neste mesmo dia 7 de Janeiro que há já catorze anos partiu, julgamos nós que para a eternidade, o nosso PAI. E neste mesmo dia partiu também MÁRIO SOARES.

Mas o que terão ambos em comum, para além de terem partido no mesmo dia? Nada mas, ao mesmo tempo, tiveram o mais importante em comum: foram ambos uns lutadores pela Liberdade, cada um à sua maneira, mas ambos esclarecidos.

Todos os anos, neste dia, toda a Família se reune para celebrar a memória do nosso Pai e uma sobrinha fez questão de me dizer ser este o dia em que partiram os seus Homens Maiores! Poderá haver outros em parecidas circunstâncias, que desconheço, mas estes são-no, sem dúvida! Um, o nosso Pai, foi o Homem mais importante da minha e das nossas vidas e o outro, seja qual for o ângulo de visão por que o queiramos olhar, também faz parte indelével da minha e das nossas vidas.

E associo-os também porque o nosso Pai foi toda a sua vida um grande admirador de Mário Soares e sempre nele votou.

Não sei se Mário Soares foi, como muitos dizem, o “Pai” da “Democracia” mas, afirmando-se pela Democracia em liberdade (o que para mim constitui uma redundância, pois não há uma sem a outra), está certamente entre os que o foram.

Mas eu, particularmente e sem hipocrisias, apreciei-o mais na segunda fase da sua vida e, muito embora eu, tanto quanto ele, também desejasse a Liberdade e a Democracia, só estive com ele a partir da segunda volta das eleições Presidenciais de 1986. Não votei nele na primeira volta (votei Salgado Zenha) mas apoiei-o na segunda e também vim para a rua e gritei “Soares é Fixe”!

Mas voltando à improvável comparação com o nosso Pai, eles nasceram em campos e status sociais completamente opostos. Ele na Burguesia esclarecida e politizada e o nosso Pai na mais profunda pobreza do mundo rural do Norte. Mas foram ambos, cada um à sua maneira, grandes lutadores pela Liberdade!

Ele, Mário Soares, desce cedo se embrenhou na oposição à ditadura, empenhou-se e sofreu as suas consequências, sendo repetidamente preso e deportado. Lutou com as armas que tinha e foi corajoso. O nosso Pai, pouco ou nada politicamente esclarecido, foi para a Guarda Fiscal e quando, nos inícios dos anos cinquenta, foi parar ao Alentejo profundo, à fronteira de S. Leonardo-Mourão, aquela por onde passou Humberto Delgado quando foi de encontro à morte, sentiu a sua verdadeira “epifania” ( na Missa a que todos os anos assistimos em memória do nosso Pai que era profundamente Católico, o Padre disse que este é também o dia da “epifania”), um verdadeiro choque com uma realidade até aí desconhecida e esse choque foi um clarão na sua vida e do qual resultou em muito as nossas, dos seus filhos, vidas futuras.

Ao ver tanta pobreza naqueles campos alentejanos, tanta desigualdade, tanta injustiça e tanta falta de Liberdade, o nosso Pai convenceu-se que a verdadeira Liberdade só se alcançaria com Educação, com Conhecimento, com Informação e com Cultura e foi isso que jurou proporcionar aos seus filhos. E todos os sacrifícios fez para que assim fosse. A pobreza não podia ser estigma e a educação era a única saída. E assim foi: lutou pela nossa Liberdade uma vida inteira, sem quaisquer cedências ou recuos e com uma postura de tal modo íntegra e modelar que causava admiração em todos.

Pelos lugares por onde andou, alguns deles verdadeiros antros de corrupção (fronteiras, portos etc.) o nosso Pai via muitos colegas seus enriquecerem…menos ele! A sua luta pela Liberdade não se compadecia com a ausência de verticalidade. Uns lutavam, eram perseguidos e sofriam nas prisões mantendo a sua verticalidade, verticalidade que o nosso Pai usava na luta contra as adversidades da vida, mantendo um único propósito também: a nossa Liberdade!

E talvez por tudo isso, conhecedor das realidades, tanto como representante de uma força do regime, mas também membro de uma sociedade empobrecida e carecida de igualdade de oportunidades, o nosso Pai foi sempre um moderado e sempre apoiou Soares. Ele era ponderado, era pelos consensos, era pela evolução livre e ordeira, mas era progressista e sempre esteve do lado certo: dos mais fracos. Era Socialista! E adorava Mário Soares!

Mas eu, como disse, não retirando absolutamente nada à luta de uma vida de Mário Soares, nem à sua coragem cívica e política, apreciei-o mais na segunda fase da sua vida quando, já liberto dos espartilhos partidários, deu ser ao seu espírito libertário e passou a estar sempre do lado correcto dos tempos, antevendo-os mesmo.

Já de avançada idade resolveu candidatar-se ao Parlamento Europeu para lutar para que a Europa não fosse o que hoje é, mas sim uma verdadeira Federação. Tentou, perdeu a luta, mas estava certo. Esteve contra a guerra do Iraque e escreveu textos lúcidos e premonitórios sobre o que dali viria. E estava mais uma vez certo, pois dali veio o pior. Já com a provecta idade de 82 anos resolveu candidatar-se à Presidência da República, num acto de coragem e desprendimento só ao alcance dos verdadeiros lutadores e para quê? Convencido de que se viesse a “baderna” Cavaco não seria gente para com ela lidar. Perdeu, mas, mais uma vez, tinha razão. E aí eu estive com ele!

Esteve contra a “austeridade redentora”, ergueu a sua esclarecida voz e tinha razão. Como tinha quando convocou as Esquerdas e outras forças para uma necessária união. Tinha razão mais uma vez e nunca deixou de lutar e é essa sua faceta a que eu mais fiquei a admirar. Quanto a tudo o resto era um Homem com virtudes e defeitos, como todos nós.

Mas era do seu lado que o nosso Pai sempre estaria se há catorze anos, neste mesmo dia, não tivesse, para nós, tão precocemente partido.

Honra aos dois, que não ao dia sete de Janeiro.

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