Primeiramente, e antes que tudo, como declaração de interesses, eu tenho que admitir ser um antimilitarista confesso, mas não passar este texto de mera crítica literária que afirmo não colide com o meu democrático respeito pelas Instituições, que superiormente aceito mas que, em certos aspectos e quando extravasam o seu âmbito, eu contesto. Está dito!
Como tal, mas não só, eu tenho-me deliciado, no que ao tema da demissão de um chefe general qualquer, um Jerónimo dizem-me, a ouvir membros diversos das Forças Armadas a admitirem estarem estas subordinadas ao poder político, o que é verdade eles concedem (e para que seria então necessário um Ministro da Defesa, pergunto eu), mas…com calma, com cautela e com juízo. É que não vá a “Tropa” enervar-se!
E parece que se enervou! Têm que a deixar lá no seu cantinho, mantendo a sua auto-organização, as suas benesses, as suas promoções, a sua calmaria, as suas sinecuras e medalhões, o seu protocolo, mesmo que há mais de quarenta anos não tenham feito ou produzido nada de relevante.É o que transparece.
E a verdade é que enquanto os generais elaboram mapas, engendram cenários e lucubram nomes para lhes sucederem, na “messe” os sargentos entediados de tantas cartas e dominó jogarem, alguns bridge e até poker, até chegam a sonhar com uma “guerrita” para melhor se entreterem. Mas chega sempre um com mais presença de espírito e diz: É melhor não, um “gajo” ainda pode aleijar-se…! Ao menos, como uma vez ironicamente escrevi, uma caça a um “Manuel Palito” qualquer…
Mas tudo isto é pouco, mesmo muito pouco, para tal importância. Eles afirmam que são o último reduto da defesa nacional, da defesa do território, da defesa da nossa circunscrição territorial, enfim…da defesa da nossa Pátria, íntegra e única…
Posso rir? Já me ri! Quem são eles? Quem os conhece, se estão sempre a mudar? O que fazem, em concreto? Qual o seu dia a dia? Que propostas e visões apresentam, para além das ambições por chefias, de terem direito a tudo aquilo que eles anseiam ter direito, a uma choruda reforma, a chegarem a um posto relevante na Nato, para prestígio nacional “persupuesto”, ou a outra organização qualquer, qualquer uma daquelas para onde “democraticamente” seriam eleitos para assegurarem o equilíbrio geostratégico global, estão a ver?, e onde produziriam documentos estratégicos que nunca ninguém irá conhecer e, finalmente, sonho dos sonhos, poderem aceder a um comentário em televisão? Ah! E terem o orçamento que julgam merecer e que sempre acabam por ter. Como diz o espanhol: “vaya orçamento”!
Nunca terá esta gente pensado, mesmo que no seu íntimo, que pelo facto de existirem Forças Armadas, e eles existirem em concomitância, é que há conflitos? Que por eles existirem é que existem guerras, armas, arsenais nucleares e ameaças sem fim? Nunca se perguntaram?
Para que servem, afinal? Mas passamos a saber também que constituem uma sociedade corporativa. Perante um facto que não é facto (um Ministro que os tutela pedir informações sobre o funcionamento de um organismo que eles dirigem, quando estão em causa comportamentos homofóbicos e discriminatórios que a sociedade já expurgou), eles reagem corporativamente…
Eu venho desconfiando que a comunicação social, que na sua globalidade não morre de amores por este governo, faz deste assunto um assunto à falta de outros assuntos. E, como no caso do amigo do Primeiro Ministro, que admitem sério e competente, fazem do assunto que não é assunto um assunto maior. À falta de outros, claro! Mas neste caso, o da “tropa”, concluímos que esta não aceita pedidos de explicações, a os jornalistas chamam de reprimendas, de quem está acima deles na hierarquia. Fantástico, não é?
Dizem que devemos ter muito respeitinho com eles, com a “Tropa”! Olhem, eu que antimilitarista me confesso, declaro não ter grande respeito. Porquê? Porque não me chamaram para a tropa tendo eu ficado apurado. No princípio fiquei agradecido porque, havendo ainda guerra, sendo chamado teria que dar à sola. Depois do 25 de Abril, aí sim, fiquei deveras sentido porque queria ir e não fui porque perderam o meu processo. Perderam, vejam só! Sem tropa não havia empregos, sabiam? Eu não existia, portanto, e só em 1977 me passaram à reserva territorial. Só aí passei a existir…A marca ficou…
E eles, eles existem? Alguém sabe quem são? Alguém sabe o que fazem? Alguém sabe para que servem? Para defender a Pátria, dizem. De quê? Do assalto à nossa dívida? Só se for…
Eles estão nos quartéis, fazendo escalas de serviço, exigindo mais equipamentos e algumas mais promoções. E também para fazerem as paradas onde os esquadrões batem o pé no chão quando o Presidente da República passa, para depois desfilarem e marcharem…rumo aos quartéis…já foram revistados pelo seu Comandante Em Chefe! É sempre lindo…Como nos juramentos de bandeira onde as famílias vão e choram de tão emocionadas…Vale a pena ver…
E agora, depois de escrever o que escrevi, dou por mim a pensar: E V.Exª Sr. Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, digníssimo Presidente da República e Comandante Em Chefe de todas as Forças Armadas: já foi ouvido acerca do assunto?
E. já agora, como vai ser o 10 de Junho, o dia de Portugal que V.Exª, numa decisão que eu reputo de grande criatividade, marcou para Paris de France, como vai ser? Como vai ser a parada e a revista às tropas? Não é esta cerimónia um ponto fulcral das comemorações? Como vai ser, vão lá estar? Vai abdicar? E não teme o protesto? Como ficará a “Tropa” se lá não for?
Eu acho que, corporativamente, vão questioná-lo. Vão pô-lo em causa, como ao Ministro. Por desconsideração, aposto. Vá-se preparando Senhor Presidente e Comandante Em Chefe…
É que eles aceitam que são titulados pelo poder político, mas… Está a ver, Sr. Presidente?