SUBVENÇÕES VITALÍCIAS ( As minhas penas)

Eu tenho pena. Mas imaginem que eu não tinha pena: era uma pena, não era?

É que ninguém tem pena da minha pena. Ninguém tem pena da pena que eu tenho, tendo eu tanta pena.

Tenho pena que a pena não seja minha, como se diz, tendo eu tanta pena e que de mim ninguém tenha pena. Eu, um ser cheio de penas, penas muitas e de muitas coisas.

Repito: Imaginem que eu não tinha pena. Era uma pena, não era?

Tenho pena dos deputados, coitados, por exemplo. Desses deputados que têm que ter um suplemento para o combate à sua pobreza, ou futura pobreza, assim tipo um suplemento para os idosos ou um rendimento social de inserção, ou coisa assim porque, coitados, foram para deputados e deixaram as suas casas, as suas famílias e as suas profissões. E foram obrigados, os coitados. Era uma pena não ter pena.

Assim como antigamente se obrigavam os mancebos a ir para a tropa e para a guerra. Deixavam as famílias a chorar, coitados, estes coitados sim, e os empregos em miragem. Como os deputados, também coitados, também eles obrigados a tudo deixarem pelo chamamento da Pátria. A tudo deixarem para irem lutar, irem lutar pela Pátria. E para irem lutar pela Pátria em lugar elegível, pois não se luta pela Pátria sendo suplente ou no resto da lista. Não é de ter pena?

Essa luta pela Pátria é de tal desígnio que a luta começa por esse lugar, esse lugar na frente de combate, o único lugar onde, está provado, a luta é visível. E por essa visibilidade na frente de combate se deixa tudo: a família, a profissão, tudo! E eu sinto pena.

Mas vão ganhar, ser bem remunerados? Vão. Mas vão descontar ou continuar a descontar para uma futura reforma? Vão, claro. E vão acumular aos anos de contribuição para essa futura reforma? Vão, é óbvio. Então está tudo certo? Está. Então? Mas sinto pena na mesma. Porque sinto pena que essa pena não seja a minha!

Então? Então nada. Eles/Elas , quais veteranos de guerra, estiveram lá doze anos. Vejam só, 12 anos! Doze anos consecutivos a lutar, em lutas bravas e heroicas pela Pátria, pela Pátria de todos, contra um “inimigo”. Qual? O do lado. Esse ao seu lado, que tanto mal quer à Pátria e que ele, ao seu lado, estando ali para defender a Pátria, defende a Pátria que não é a do do seu lado e este diz que ele é que defende a Pátria e por isso a Pátria é dele. Que não, diz o do lado e, no fim, chegam a um consenso: afinal a Pátria é a mesma. A bancada é uma trincheira e o corredor é um muro, um muro de arame farpado, um muro que divide a Pátria, mas a Pátria é a mesma e a Pátria não pode abandonar todos os que por ela lutam…. E eles, então, vão-se revezando  na luta. Seria uma pena que não houvesse pena!

E essa luta tem que ser recompensada com um suplemento “vitamínico” por esses graves e custosos anos em que tanto sofreram: comendo ração enlatada, fazendo horas extraordinárias, sendo obrigados a viajar e vendo-se privados desse elementar direito que é estar de pé. É que estão sempre sentados e o estar sentado leva ao sono. E o sono na frente da batalha é bem perigoso! Custa muito estar sentado e isso tem que contar. Como o estar-se sentado, eternamente sentado nas últimas filas, lendo o jornal ou jogando sudoku. Custa. É uma rotina que custa e isso tem que ser bem ponderado. Não se ser nunca chamado à primeira linha de combate é de ter pena. E eu tenho pena. Que não seja minha essa pena. E isso tem que ser recompensado.

Tem? Tinha! E “tinha” porque houve para aí um louco, um déspota, um desclassificado e insensível que resolveu acabar com essa justa recompensa. Uma recompensa pelos seus (deles) altos serviços prestados na luta. Não foi uma pena?

Mas eles, antigos combatentes, veteranos, muitos deles ainda na luta por sentirem ainda o tal chamamento, coitados, não desistiram e apelaram ao alto conselho de guerra por esse direito adquirido, um direito irrevogável e inalienável e só ao alcance dos protagonistas desses heroicos e lendários anos de luta. Lendários anos em que foram “obrigados” a lá estarem, a estarem na frente da batalha, quais militares de carreira que, haja ou não haja guerra, têm que manter intactos os seus privilégios e as suas probembas. Porquê? Porque não lutam, mas poderiam estar a lutar. Tipo o Lopetegui que exige ao Porto os prémios pelos troféus que putativamente ganharia. Ter pena é pouco.

Assim é que é! Mas eu continuo a ter pena. É que eles foram obrigados. Eles até eram uns milicianos e foram convocados. Melhor, sentiram-se convocados, tipo uma vocação. Eles que nem para lá queriam ir…para a guerra, quem quer ir? E a minha pena é muita.

Mas eles foram e, como bons patriotas, para os lugares da frente. Muitos até foram obrigados a sair da guerra e ir para ministros e secretários de estado. Para outras guerras. E não queriam ir. Mas foram convocados pela Pátria e quem é o Patriota que não responde a um chamamento da Pátria? A minha pena é uma pena sem fim…

É que eu tenho pena deles. Isto é, tenho pena das penas deles. Coitados…

E não é de ter pena?

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